quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

EDUCAÇÃO FÍSICA DA DESORDEM



Clifford Geertz propõe uma visão mais ampla de ser humano e de cultura, refutando a chamada concepção estratigráfica, substituindo-a por uma concepção sintética, "[...] na qual os fatores biológicos, psicológicos, sociológicos e culturais possam ser tratados como variáveis dentro dos sistemas unitários de análise" (1989, p. 56). Daí sua expressão:
O homem não pode ser definido nem apenas por suas habilidades inatas, como fazia o iluminismo, nem apenas por seu comportamento real, como o faz grande parte da ciência social contemporânea, mas sim pelo elo entre eles, pela forma em que o primeiro é transformado no segundo, suas potencialidades genéricas focalizadas em suas atuações específicas [idem, p. 64].
 LIVRO DE JOCIMAR DAOLIO
Foi nas obras de Elenor Kunz, Valter Bracht e Mauro Betti que o ser humano foi considerado de forma mais ampla e mais dinâmica, assim como a própria visão de educação física foi ampliada.
O processo partindo de uma concepção de ser motor, para se chegar ao ser cultural, passando pelo ser psicológico e pelo ser social. Entretanto, em vez de um modelo mais estanque de camadas incomunicáveis - como sugere Geertz quando critica a concepção estratigráfica -, opto por um modelo mais dinâmico, procurando apresentar de forma espiralada o próprio processo de debate no interior da educação física. O formato em espiral permite sugerir, primeiro, que as camadas se inter-relacionam e devem, necessariamente, se comunicar.
                                            FORMA ESPIRALADA
Daolio acredita que a utilização de um conceito mais simbólico de cultura corporal de movimento propiciará à educação física a capacidade de convivência com a diversidade de manifestações corporais humanas e o reconhecimento das diferenças a elas inerentes.
Daolio chega, assim, à proposta de uma educação física da desordem, que não aceitaria a idéia de neutralidade científica e não recusaria seu papel de intervenção na sociedade, mas teria o cuidado para, reconhecendo as diferenças pessoais e culturais, não atropelar o processo de grupos com outros tempos e outros valores políticos culturalmente definidos.
Enfim, a educação física da desordem não se preocuparia em controlar ou domesticar objetivamente elementos como o indivíduo, o tempo, o espaço, a história, o corpo, o movimento, a sociedade, o desenvolvimento individual ou social, a cognição, a emoção, os conteúdos escolares, o esporte etc. A educação física da desordem pretenderia atuar sobre o ser humano no que concerne às suas manifestações corporais eminentemente culturais, respeitando e assumindo que a dinâmica cultural é simbólica e, por isso mesmo, variável, e que a mediação necessária para essa intervenção é, necessariamente, intersubjetiva.

REFERÊNCIAS
DAOLIO, Jocimar (1995). Da cultura do corpo. Campinas, Papirus.
DAOLIO, Jocimar. Educação física e o conceito de cultura. Campinas, SP: Autores Associados (Coleção polémicas do nosso tempo). 2004.
GEERTZ, Clifford (1989). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A "CULTURA' EM JOÃO BATISTA FREIRE




Jocimar Daolio em seu livro Educação Física e o Conceito de Cultura analisou o livro Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física, publicado em 1989, com grande sucesso na área, onde o autor João Batista Freire, embora não se defina como tal, ficou conhecido como representante da abordagem construtivista-interacionista pelo fato de ter assessorado a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo em sua proposta de educação física escolar, sob essa perspectiva teórica, publicada na segunda metade da década de 1980.
Go Tani e os desenvolvimentistas, discutem a educação física a partir de elementos do desenvolvimento motor, procurando discutir as formas como o indivíduo aprende habilidades e tarefas motoras necessárias à sua vida. Já João Batista Freire, o conceito de desenvolvimento é, sem dúvida, ampliado, uma vez que o autor, sem negar o aspecto motor, ressalta o desenvolvimento cognitivo e afetivo.
                                                LIVRO DE JOCIMAR DAOLIO

Para Daolio a proposta de João Batista Freire esteja talvez de alguma forma influenciada pela clássica separação entre a ordem natural e ordem social, como no Iluminismo rousseauniano do século XVIII. A cultura infantil própria às crianças - sua capacidade para brincar, jogar e fantasiar - corresponderia à ordem natural humana e a escola tradicional corresponderia à ordem social, impedindo a criança de desenvolver seu potencial natural.
Nessa perspectiva, a educação física teria por finalidade preservar a condição natural humana das crianças, estimulando suas habilidades motoras e seu desenvolvimento corporal e libertando-a do jugo do contrato social representado pela escola tradicional.
Daolio procura mostrar que o autor aborda a dimensão simbólica, mas enfatizando a representação mental de qualquer ação realizada pelo indivíduo. Daí ser possível afirmar que o ser humano considerado por João Batista Freire é primordialmente um ser psicológico.

REFERÊNCIAS
DAOLIO, Jocimar (1995). Da cultura do corpo. Campinas, Papirus.
DAOLIO, Jocimar. Educação física e o conceito de cultura. Campinas, SP: Autores Associados (Coleção polémicas do nosso tempo). 2004.
FREIRE, João Batista (1989). Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. São Paulo, Scipione.


A "CULTURA" EM GO TANI



Jocimar Daolio em seu livro Educação Física e o Conceito de Cultura analisou também o livro educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista, que constitui-se no principal veículo da abordagem desenvolvimentista, que tem no professor Go Tani seu principal defensor no país. Esse livro foi publicado em 1988 por um coletivo de autores composto pelo próprio GoTani, Edison de Jesus Manuel, Eduardo Kokubun e José Elias de Proença.
Go Tani e os desenvolvimentistas discutem a educação física a partir de elementos do desenvolvimento motor, procurando discutir as formas como o indivíduo aprende habilidades e tarefas motoras necessárias à sua vida. Daolio nos mostrar que, apesar de não ser intenção dos autores discutirem o conceito de "cultura", o termo aparece esporadicamente no livro utilizado para a análise como dimensão conseqüente ao aspecto biológico do homem, como se a cultura fosse produção do sistema nervoso humano. O sentido de "cultura" na abordagem desenvolvimentista lembra as proposições evolucionistas do século XIX, quando era tomado como algo exterior ao ser humano, como um dado apenas material, produto de suas ações no mundo e conseqüência de sua evolução biológica.
                                                 LIVRO DE JOCIMAR DAOLIO
Essa visão de cultura e de ser humano em Go Tani está presa a um cientificismo na medida em que tenta "mapear" o desenvolvimento motor objetivamente, até mesmo considerando as suas etapas para a definição dos conteúdos escolares da educação física. O indivíduo, nessa abordagem, é considerado possuidor de cultura e possuidor de uma dimensão cognitiva e afetivo-social, mas é tomado, primeiramente, como indivíduo biológico, naturalizado, localizado em estágios de um desenvolvimento motor, aliás, como sugere a própria denominação da abordagem. O ser humano na abordagem desenvolvimentista é tomado principalmente como um ser motor.
Para Daolio os conhecimentos sobre processos de desenvolvimento, crescimento e aprendizagem motora são necessários ao professor de educação física, mas vê como conhecimentos do professor, a fim de facilitar certas aprendizagens por parte dos alunos durante as aulas. Como estudioso da cultura, considerando a educação física como disciplina escolar e a escola como espaço e tempo de desenvolver cultura, Daolio entende como tarefa precípua da área garantir ao aluno a apreensão de conteúdos culturais, no caso, relacionados à dimensão corporal: jogo, ginástica, esporte, dança, luta.
A forma como esses conteúdos serão desenvolvidos necessitará, sem dúvida, de conhecimentos sobre desenvolvimento e aprendizagem motora. Por exemplo, para o professor saber como uma determinada prática esportiva poderá ser vivenciada por uma classe de quinta série, ele precisará de conhecimentos sobre desenvolvimento motor e sobre processos de aprendizagem, não para padronizar comportamentos ou estabelecer metas de ensino a serem alcançadas por todos os alunos, nem para elaborar rígidos planejamentos, mas para considerar processos de ensino diferenciados, localizados no tempo e no espaço e influenciados pelas várias dinâmicas culturais estabelecidas, atingindo, dessa forma, todos os alunos. 
Enfim, para Daolio afirmar que a educação física trata do movimento consiste em secundarizar a dimensão cultural em relação ao cérebro humano, afirmando a base biológica como primordial para a compreensão da área, como se a cultura fosse conseqüência, ou produção das atividades cerebrais. Em contrapartida, afirmar que a educação física trata da cultura de movimento faz com que se priorize a dinâmica sociocultural na explicação das ações humanas. 

REFERÊNCIAS 
DAOLIO, Jocimar. Educação física e o conceito de cultura. Campinas, SP: Autores Associados (Coleção polémicas do nosso tempo). 2004. 
DAOLIO, Jocimar (1995). Da cultura do corpo. Campinas, Papirus.
TANI, Go; Manuel, Edison de Jesus; Kokubun, Eduardo & Proença, José Elias de (1988). Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo, EPU/Edusp.

A "CULTURA" EM VALTER BRACHT



Jocimar Daolio em seu livro Educação Física e o Conceito de Cultura analisou também a cultura de Valter Bracht que participou como autor da coletânea Metodologia do ensino de educação física, de 1992, onde estruturou a abordagem crítico-superadora. Entretanto, em duas coletâneas de textos de sua autoria, o autor desenvolveu alguns conceitos relevantes para a área, diferenciando-o daquela abordagem. Com coletâneas Educação física e aprendizagem social, publicada em 1992, e Educação física & ciência: cenas de um casamento (in)feliz, de 1999, que reuniram textos do autor produzidos desde a segunda metade da década de 1980 e ao longo da década de 1990.
Valter Bracht coloca-se claramente ao lado daqueles que entendem que a educação física não é ciência e nem deve constituir-se em nova ciência, pelo fato de ser uma prática pedagógica, embora, como prática pedagógica, esteja interessada e necessite de explicações científicas que a fundamentem.
                                   LIVRO DE JOCIMAR DAOLIO
Bracht aprofunda nos textos mais recentes a discussão a respeito da dimensão simbólica, o autor defronta-se com a tarefa de conciliar a ambigüidade presente no saber próprio da área: ser um saber fazer ou ser um saber sobre esse saber fazer.
Para Daolio a discussão de Valter Bracht toma corpo a partir da discussão de que o objeto da educação física é a cultura corporal de movimento. Nesse conceito, o movimentar-se humano é compreendido como forma de comunicação com o mundo. E uma linguagem que, portanto, se refere ao mundo do simbólico. Segundo o autor, "[...] o que qualifica o movimento enquanto humano é o sentido/significado do mover-se, sentido/significado mediado simbolicamente e que o coloca no plano da cultura" (1999, p. 45).

Para fugir do risco de uma dicotomia entre o pensar e o fazer, ou entre a mente e o corpo ou, ainda, entre a natureza e a cultura, Valter Bracht afirma que uma educação física crítica deve preocupar-se com a educação estética, com a sensibilidade, com a incorporação de normas e valores, juntamente com o entendimento racional da cultura corporal de movimento. O autor deixa o desafio para a área, afirmando: "[...] nem movimento sem pensamento, nem movimento e pensamento, mas, sim, movimento pensamento” (idem, p. 54).
Daolio vê que a admissão da discussão da cultura por Valter Bracht é muito positiva para a educação física e muito me aproxima do autor. Para Daolio sem dúvida, Bracht é um dos principais autores contemporâneos que estão aprofundando essa discussão na área. Entretanto, acredita que sua compreensão de antropologia esteja mais vinculada à vertente filosófica do que à social. Aliás, quando a antropologia social Bracht reconhece a diferença entre os humanos, sua singularidade, ela o faz a partir das manifestações culturais e não da natureza biológica. A partir da antropologia social, entre culturalizar o corpo e torná-lo semelhante ou desculturalizar o corpo e reduzi-lo à diferença, Daolio optaria por culturalizar o corpo e torná-lo diferente.

REFERÊNCIAS
BRACHT, Vatter (1992). Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre, Magister.
DAOLIO, Jocimar (1995). Da cultura do corpo. Campinas, Papirus.
DAOLIO, Jocimar. Educação física e o conceito de cultura. Campinas, SP: Autores Associados (Coleção polémicas do nosso tempo). 2004.